Mentiras que contamos para nós mesmos
Há um obstáculo definido, uma razão categórica pela qual não podemos, tal como somos, ter consciência. Esse obstáculo principal no caminho do desenvolvimento é a mentira. Já me referi a mentira, mas devemos falar sobre ela, pois não sabemos o que significa, visto que nunca estudamos essa questão com seriedade. Contudo, a psicologia da mentira é realmente a parte mais importante do estudo do ser humano. Se o homem pudesse ser descrito por um tipo de animal, diríamos que é um animal que mente.
Deixarei de lado todas as mentiras externas e só levarei em conta a mentira do homem a si mesmo em relação a ele próprio. Essa é a razão pela qual estamos no estado que nos encontramos hoje e não podemos chegar à um estado de consciência melhor, mais elevado, mais poderoso e eficaz. De acordo com o sistema que estamos estudando agora, não podemos conhecer a verdade, porque esta só pode ser alcançada no estado de consciência objetiva. Deste modo, não podemos definir o que é verdade, mas se considerarmos que a mentira é o oposto da verdade, podemos definir mentira.
A mentira mais séria se dá quando sabemos muito bem que não conhecemos e nem podemos conhecer a verdade sobre as coisas, e contudo, jamais agimos de acordo com isso. Sempre pensamos e agimos como se conhecêssemos a verdade. Isto é mentir. Quando sei que não conheço alguma coisa e, ao mesmo tempo, digo que conheço ou ajo como se conhecesse, isso é mentir. Por exemplo, não sabemos nada a nosso próprio respeito e realmente sabemos que não conhecemos nada; entretanto nunca reconhecemos ou admitimos esse fato; já mais confessamos até mesmo a nós; agimos, pensamos, falamos como se soubéssemos quem somos. Essa é a origem, o começo da mentira.
Quando compreendemos isso e seguimos essa direção e tentarmos relacionar essa ideia com tudo o que pensamos, dizemos e fazemos, começamos a remover os obstáculos que estão no caminho da consciência.
Porém a psicologia da mentira é muito mais difícil do que pensamos, porque há muitos tipos de mentiras e muitas formas muito sutis, difíceis de descobrir em nós mesmos. Nos outros nós vemos de forma comparativamente fácil, mas não em nós mesmos.
Ouspensky
Quarto Caminho
"Somos advogados de nossos defeitos e juízes dos defeitos alheios."