"Marta e Maria são facetas de uma mesma pessoa"



(...) Quem se havia afastado do mundo para melhor compreender sua real identidade, estando já definitivamente livre dos apegos e das ilusões, volta ao convívio social para trabalhar com redobrado vigor em prol de todos os seres. A experiência mística só se completa e se confirma pelo serviço desinteressado. É a faceta Marta que se ativa na alma. 

Nes­te passo do livro, Santa Teresa reabilita a figura evangélica de Marta, irmã de Maria. Em Lucas, 10:38-42, lemos que Marta hospedou Jesus em sua casa, e sua irmã, Maria, quedou-se assentada aos pés do Mestre a ouvir-lhe os ensinamentos, enquanto Marta agitava-se de um lado para outro, fazendo os preparativos para bem servir ao convidado ilustre, até que pediu ao Divino Mestre que ordenasse à irmã fosse ajudá-la a pôr a mesa. Ao que Jesus respondeu: "Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada". 

Pelo diálogo, tem-se a impressão de que o Mestre reprovou Marta e elogiou Maria, vale dizer, exaltou a contemplação e deu pouca importância ao trabalho. Teresa de Ávila, no entanto, dá interpretação mais adequada à passagem bíblica: Maria, a contemplativa, não é mais importante do que Marta, a laborativa, porque no grande castelo da alma, "Marta e Maria hão de andar juntas para bem hospedar o Senhor, e tê-lo sempre consigo". Enfaticamente, pergunta a autora: 


Como Maria, assentada sempre aos pés do Mestre, lhe poderia 
dar boa hospedagem se a irmã Marta não a ajudasse?

De fato, sem Marta, não há regalos, não há festa, não há boa hospedaria. Marta e Maria são facetas de uma mesma pessoa. O verdadeiro místico não se limita a contemplar, mas age e age sempre para o melhoramento do mundo. Contemplação e trabalho se unem na personalidade mística. Da mesma forma como a fé sem obras é morta, a contemplação sem a ação perde muito de seu valor. Diz-se mesmo que a missão do místico é trazer os céus à Terra para que esta se transforme em paraíso. 

Para completar, portanto, ascensão da alma, é mister o serviço desinteressado porque de nada vale represar o amor extraordinário que existe na alma de todo ser humano. Além disso, a melhor parte, a que se refere Jesus, vem depois de muito trabalho e mortificação. É notório naqueles que atingem a iluminação o desejo de trabalhar para melhorar o mundo. Foi assim com Sidarta Gautama que tendo-se afastado do mundo por seis anos em disciplina ascética, voltou iluminado para ensinar a humanidade a livrar-se do sofrimento, exercendo seu magistério durante 45 anos. Foi assim com Jesus que, iluminado nas águas do Jordão, não deixou nenhum dia sequer de pregar, ensinar, curar os enfermos e ressuscitar os mortos. Foi assim com Paulo de Tarso: depois da conversão, não deixou de trabalhar, enfrentando perigos e tormentas para pregar a boa nova, além de prover o próprio sustento como tecelão. Assim também com o seráfico Francisco de Assis, que trabalhava manualmente, consertando igrejas, além de ministrar a palavra de conforto aos doentes e sofredores. E foi assim, também, com Santa Teresa: após sua iluminação, em idade madura, não descansou um minuto sequer, fundando e administrando conventos e atuando como reformadora e mestra espiritual, para o que teve de realizar viagens em condições precárias para diversos pontos da Espanha. 

O Castelo Interior: Um Passeio pelas Moradas de Teresa de Ávila - Análise da experiência mística de S. Teresa de Ávila, relatada por ela mesma, em sua obra de 1577. 
Sergio Carlos Covello
http://www.teosofia-liberdade.org.br/index.php/arquivos/artigos/44-artigos/194-o-castelo-interior-um-passeio-pelas-moradas-de-teresa-de-avila.html

As raízes de nossos problemas



O monge Bhante Gunaratana quando mudou-se para um monastério nos EUA, deparou-se com a tentativa de plantio de bambus próximo ao templo. Ele chamou a pessoa responsável e disse “Não plante bambu aqui, pois ele cresce muito e vai tampar as janelas do templo.” A pessoa respondeu “Fique tranquilo Bhante, aqui na América os bambus não crescem tanto”. Ele complementou “O bambu não tem em si as separações geográficas que nós criamos. Ele cresce em qualquer lugar e cria raízes profundas.” Mesmo com o apelo do monge os bambus foram plantados.

Seis meses depois o bambu estava alto, grande e tampando as janelas do templo e do quarto do monge. Ele então chamou a responsável e disse “Bom, como eu havia dito, o bambu está tampando as janelas do templo. Vamos providenciar sua retirada”. O bambu foi cortado, a área limpa. Seis meses depois novamente o bambu havia crescido e estavam tampando as janelas. O monge solicitou novamente que cortassem. “Eu disse. As raízes do bambu são profundas, não vai adiantar cortar apenas a superfície.” Dessa vez usaram uma máquina para escavar e retiraram a moita de bambus. Sete meses depois o bambu estava lá novamente. Então foi necessário escavar todo entorno do templo e arredores até que fosse achada toda a raiz do bambu.

Com essa símile o monge, em uma palestra quando esteve no Brasil, exemplificou sobre a luta que empregamos contra nossos problemas pessoais. Quando parece que os resolvemos, eles ressurgem ou tomam uma nova roupagem e se sucedem em ciclos por toda a vida. Ele comparou a forma como solucionamos problemas ao corte da moita de bambu. Nós removemos apenas a superfície (problemas), mas não chegamos até as raízes (causas do problema) que se ramificam e atingem a profundidade de nosso ser inconsciente. Mesmo quando achamos ter retirado os bambus e a raiz, muitas vezes esta última está muito mais além do que conseguimos enxergar e compreender e fatalmente ressurgirá.

E como então remover essas raízes por completo?

A única forma seria trabalhar essas raízes e suas ramificações, extirpando-as de tal forma que elas não pudessem mais nos causar os mesmos problemas. Segundo o monge a meditação com o tempo vai removendo essas raízes de forma sutil e podemos observar isto através das mudanças na superfície, isto é, nossos problemas e como reagimos a eles.

Segundo o Buda a raiz de todo o sofrimento é composta de três fatores: raiva, apego e ignorância. Dessas três raízes iniciais, temos diversas outras ramificações. E quando vemos brotar na superfície o resultado dessa raiz - nossos problemas e sofrimentos -  muitas vezes nem paramos para analisar o que as causou, isto é, quais raízes que a originaram. Então entramos em um ciclo infindável de experiências onde vivenciamos as ações e o resultado dessas ações, criando e fortalecendo ainda mais essas raízes.

Cabe a nós buscarmos os meios hábeis de retirarmos essas raízes por completo através da plena atenção, de exercícios de meditação, da oração ou outros que possibilitem com o tempo retirar de nós as raízes mais profundas.


Teresa de Ávila: a meditação na linhagem Católica


Deus é como um Sol no centro de um diamante,
e a alma uma pedra que precisa ser transpassada por Sua Luz.
Assim, é através da oração silenciosa que a pedra se transforma
em um diáfano cristal de diamante.

Nascida Teresa Ahumada Sanches e Cepeda aos 28 de Março de 1515 - em Gotarrendura na província  de  Ávila  na  Espanha -, ela  faleceu  em  4  de  Outubro  de  1585,  após  uma vida  dedicada  a  busca de Deus.


Sua saga é cheia de tropeços e dificuldades, alguns impostos pela sua cultura espiritual  e  outros  pela inquisição  espanhola  (1478-1834),  que  não  tolerava  o  viés  místico  na  busca  do  sagrado.  Entretanto,  Teresa  era  uma  mulher  notável e  incomum,  uma  religiosa  acima  do  bem  e  do mal,  que  jamais  alguém  ousou  tocar,  ainda  que  a  censura  imposta  a  alguns  de  seus  textos  tenha levado-os à fogueira, obrigando-a mais tarde a reescrevê-los “de memória”. 


O professor de meditação Osvaldo Marmo fez um resumo interessante do livro "Castelo Interior ou as Moradas" de autoria da freira Teresa (aqui).

Meu texto é um resumo da descrição que ela fez das sete moradas, que no original contém vinte e sete capítulos. Quando julguei conveniente fazer um comentário, principalmente para explicar  o  assunto  à  luz  do  Vedanta  e  da  pequena  experiência  que  tive viajando  por algumas  dessas  moradas (...)

O Presente é a Mãe do Futuro

Podemos notar que o vaso de flores que está sobre a mesa é. Nunca as ouvimos se gabar de seu doce aroma.

É o mesmo quando uma pessoa realizou o nirvana. Ele ou ela nada precisa dizer. Podemos sentir sua beleza e sua doçura apenas por estar lá.

Não há necessidade de se preocupar pelo passado ou pelo futuro. O segredo da felicidade é estar inteiramente presente com o que está à sua frente, viver plenamente no momento presente.Você não pode voltar e dar outra forma ao passado. Ele já se foi! Você não pode ditar o futuro. Assim, não há necessidade de se preocupar!

A próxima vez que eu voar em um avião, quem sabe o que acontecerá? Talvez eu chegue a salvo ou talvez não. Quando fazemos planos, apenas podemos fazê-los no momento presente.

Este é o único momento que podemos controlar. Podemos amar este momento e usá-lo bem. O sofrimento passado nunca pode nos ferir, se nós realmente cuidamos do presente.

Tome conta do presente, e o futuro será bom. O Dharma sempre está no presente, e o presente é a mãe do futuro. Tome conta da mãe, e a mãe tomará conta de sua criança.


Venerável Ghosananda

Concentração e Sabedoria



                                                    Não há concentração sem sabedoria. 
                                                    Não há sabedoria sem concentração. 
                                                    Aquele que tem ambos 
                                                    está próximo da paz e da emancipação. 

                                                         Dhammapada


Apenas nos podemos apegar àquilo que não é a nossa consciência pura

Quando abrimos mão deste habitual e insidioso apego ao que nasce e morre, começamos a realizar a "não-morte".

Quando nos libertamos dessa identificação, experienciamos a nossa verdadeira natureza, a qual é brilhante, clara, sapiente, mas que já não é algo pessoal, não é "eu" ou "meu" – não existem metas nem apegos.

Ajahn Sumedho
Plena Atenção

Simplicidade Material. Simplicidade Sensorial.

(...) Os bens materiais devem ser encarados como qualquer tipo de excesso sensorial que em última análise é inútil pra nossa existência.

O que a gente deve evitar como praticante de meditação é se dispersar em excesso com os estímulos sensoriais. Então o fato de você estar se dispersando comprando, comendo demais, através do sentido da audição, do tato, do sexo ou até mesmo do pensamento ou da mente não importa muito. O que importa mais é sua intenção e quanto você está deixando sua energia ir e portanto perdendo a chance de se concentrar e perdendo a sua capacidade de se concentrar ficando em modos de devaneio.

Pra nós ocidentais existe uma tentação bem grande de retomar algumas idéias comunistas. Eu acho que a simplicidade material é sempre bem vinda, mas não só ela, mas a simplicidade sensorial como um todo. Como a gente lida com a audição, olfato, paladar, o tato, visão e a mente.

João Nery Rafael
Trechos da palestra ministrada em 17/07/2012 por audio-conferência
e disponível no site da Sociedade Budista do Brasil
http://www.sociedadebudistadobrasil.org/sala-de-estudos/palestras-do-dhamma-em-audio/palestras-online/

A Prática da Diligência - Parte 1



No tocar de suas vidas, as pessoas geralmente possuem duas tendências.

Quando oprimidas pelo sofrimento ou numa situação de crise, as pessoas se apressam a alterar a situação. Às vezes elas são capazes de resolver o problema, enquanto em outras vezes elas não conseguem e precisam encarar a perda ou a ruína. Mesmo se forem bem sucedidas, experimentam muita aflição e conflito até encontrar uma solução duradoura; elas podem até encontrar a derrota em meio ao seu sucesso: ‘vencer a batalha, mas perder a guerra’.

Enquanto há tranquilidade na vida cotidiana, tendo as preocupações imediatas atendidas, as pessoas se tornam complacentes, permitindo que seus dias passem na busca por prazer ou entregando-se à gratificação. Elas não se preocupam com a prevenção de danos futuros. A menos que se vejam encurraladas, elas procrastinam as suas responsabilidades. Assaltadas pela aflição ou perigo, se apressam a encontrar alívio.

Depois de o terem alcançado, se contentam em desfrutar de seus deleites. Esse ciclo continua até que um dia elas tornam-se impotentes para alterar o curso dos acontecimentos ou são subjugadas em sua tentativa de fuga.

O comportamento descrito acima é pamāda, que pode ser traduzido de formas variadas como negligência, descuido, lassidão, desprezo, falta de esforço e letargia. Tende a seguir de mãos dadas com a preguiça.

A qualidade oposta é a diligência (appamāda*), que é despertada e guiada por atenção vigilante. Pessoas diligentes estão continuamente cientes do que deve ser evitado e do que deve ser buscado e se comprometem com essas tarefas. Elas reconhecem a importância do tempo, do trabalho e da menor responsabilidade que seja. Não são intoxicadas ou excessivamente encantadas pela vida. Fazem todo o esforço para evitar transgressões, e não perdem oportunidade alguma de evoluir na virtude. Apressam-se em direção a sua meta, ou ao bem, sem interrupção e despendem um grande cuidado em seus preparativos.

Um entendimento das Três Características promove diretamente a diligência, porque quando se sabe que tudo é impermanente, instável, fugaz, não subordinado à vontade e sujeito a causas, apenas uma forma de prática resta, que é agir em conformidade com essas causas. Isso significa que se faz o esforço para se proteger de influências prejudiciais, para reparar os danos, para preservar as qualidades benéficas e para agir de forma meritória no sentido de obter progresso mais adiante.

Tal prática envolve a investigação da causalidade e ação em conformidade com isso. Por exemplo, consciente de que todas as coisas são sujeitas a mudanças, a pessoa se esforça para agir de tal forma que as condições saudáveis desejadas permaneçam durante o maior tempo possível, e que proporcionem o máximo de benefícios aos outros.

* Outras traduções comuns incluem atenção, seriedade, perseverança, cuidado e vigilância.


Ven. Ajahn Payutto

Como Mudar os Outros - Parte 1



Não se deve permitir que o comportamento dos outros roube nossa paz mental. É difícil para qualquer um manter-se mentalmente calmo e segurar a língua quando é irritado pelos outros, mas nenhum ser humano pode passar a vida de modo exitoso dizendo a cada pessoa que o moleste como se comportar. Conselho não solicitado cria enorme ressentimento. Não se deve tentar impor sua vontade ou ideias àqueles que estão à sua volta, a menos que eles tenham solicitado tal orientação.

Um erro cometido muitas vezes por novatos no caminho espiritual é que, no momento que ficam entusiasmados em buscar Deus, querem mudar o mundo inteiro. Começam uma revolução espiritual em casa, com esforço total para converter o marido ou a mulher e os filhos. É maravilhoso ter essa espécie de entusiasmo, mas isso quase sempre desperta antagonismo. O mestre espiritual Yogananda dizia a tais entusiastas:

"Mude a você primeiro; reforme-se e reformará milhares".

Se uma pessoa não estiver pedindo orientação, não desejará que lhes digam o que fazer. Ninguém quer ser obrigado a aceitar conselhos. Quando estiver disposto a ouvir conselhos, ele os pedirá e vai querê-los de alguém que conviva com ele ou de quem ele ama ou admira, ao ver uma mudança benéfica acontecer na vida dessa pessoa. Entretanto, uma vez que a mudança se manifeste apenas na forma de trivialidades ou em palavras ditas da boca pra fora, a pessoa em dúvida resistirá.

Seja um exemplo daquilo que deseja que os outros sejam.

Se tem tendência para perder a calma e brigar ou falar asperamente; se repreende os filhos sem razão; se é nervoso e aborrece-se facilmente, berrando e falando maldosamente - mude-se a si mesmo! Essa é a melhor maneira de transformar os que estão perto de você.

É difícil fazer isso mas é possível. Seu esforço deve ser feito para fazer de você uma pessoa respeitada e admirada, cuja palavra tenha peso. Você deve falar de acordo com a verdadeira sabedoria e compreensão, nunca conforme a ira, o nervosismo, o ciúme ou o desejo de retaliar ao ser magoado.

Sri Daya Mata
"Só o Amor" - Como viver espiritualmente em um mundo em transformação

Os nossos Amortecedores


Myoe Win Aung

Gurdjieff lembrava-nos, uma vez mais do fato de que esquecemos constantemente das dificuldades de nossa situação.

(...) Vocês pensam, com frequência, de maneira muito ingênua. (...) Existem, atrás de cada um de vocês, anos de vida equivocada ou estúpida. Cederam sempre a suas fraquezas, fecharam sempre os olhos a seus erros, tentando evitar todas as verdades desagradáveis e mentindo a si mesmos constantemente, justificando-se, condenando os outros e assim por diante.

Tudo isso só pode prejudicar suas máquinas. Por um lado, ela está suja e toda enferrujada em algumas partes; de outro lado, seu mau funcionamento fez surgir dispositivos artificiais.

Esses dispositivos artificiais se oporão a cada instante às suas boas intenções. Eles são chamados de "amortecedores".

Amortecedores é um termo que pede uma explicação especial. Todos sabem o que são amortecedores dos vagões de trem: aparelhos amortecedores de choques. Na ausência desses amortecedores, os menores choques entre um vagão e outro poderiam ser muito desagradáveis e perigosos. Os amortecedores atenuam os efeitos desses choques, tornando-os imperceptíveis.

Dispositivos exatamente análogos existem no homem. Não são criados pela natureza, mas pelo próprio homem, embora de modo involuntário. NA sua origem encontram-se as múltiplas contradições de suas opiniões, de seus sentimentos, de suas simpatias, palavras e ações. Se o homem tivesse que sentir, durante a vida inteira, todas as contradições que se encontram nele, não poderia viver nem agir tão tranquilamente quanto agora. Ele estaria em constante atrito e inquietação.

Não sabemos ver o quanto nossos diferentes "eus", que compõem nossa personalidade, são contraditórios e hostis uns aos outros. Se o homem pudesse sentir toda essa contradição, sentiria o que realmente é. Sentiria que é louco. Não é agradável para ninguém sentir-se louco. Além disso, tal pensamento priva o homem da sua confiança em si mesmo, enfraquece a energia, tira-lhe o "auto-respeito". De uma maneira ou de outro, é preciso dominar e banir esse pensamento. Deve ou destruir suas contradições ou deixar de vê-las e senti-las.

O homem não pode destruir suas contradições mas deixa de senti-las, quando os amortecedores surgem nele. A partir daí não sente mais os choques que resultam da colisão de pontos de vista, de emoções e palavras contraditórias.

Os "amortecedores" formam-se lenta e gradativamente. A grande maioria é criada artificialmente pela educação. Outros devem sua existência à influência hipnótica de toda a vida que os rodeia. O homem está cercado de pessoas que falam, pensam, sentem e vivem por intermédio de seus amortecedores.  Imitando-os em suas opiniões, ações e palavras, cria, involuntariamente, em si mesmo, amortecedores análogos, que lhe tornam a vida mais fácil, pois é muito duro viver sem amortecedores. Mas estes impedem qualquer possibilidade de desenvolvimento interior, porque são feitos para amortecer os choques; mas, só os choques podem tirar o homem do estado em que vive, isto é, despertá-lo.

Os amortecedores embalam o sono do homem, dão-lhe agradável e plácida sensação de que tudo irá bem, de que não existem contradições e pode dormir em paz.

Os amortecedores são dispositivos que permitem ao homem ter sempre razão; impedem que sinta sua consciência.


Ouspensky
Fragmentos de um Ensinamento Desconhecido

Plena Atenção



Tenta manter plena atenção e deixa as coisas tomarem o seu percurso natural. Então a tua mente tornar-se-á calma em qualquer ambiente, como um límpido lago na floresta.

Todos os tipos de maravilhosos e raros animais virão beber ao lago e tu irás ver claramente a natureza de todas as coisas.

Verás muitas coisas estranhas e maravilhosas chegarem e partirem, mas tu estarás sereno. Esta é a felicidade do Buddha.

Ajahn Chah

Desapegar-se

Quando abres mão de algo
e permites que ele cesse,
o que resta é paz.

Ajahn Sumedho

Estudo Externo e o Estudo Interno


Sabes  onde  irá  acabar?  Ou  vais  continuar  a aprender desta forma? Será que existe um fim? Estudar é bom,  mas  é  só  estudo externo,  não  o  estudo  interno. Para  o  estudo  interno  tens  de estudar  estes olhos,  estes ouvidos, este nariz, esta língua, este corpo e esta mente. Este  é  o  verdadeiro  estudo.  O estudo  de livros  é  só estudo externo, é muito difícil de o completar.

Quando  os  olhos  vêm  formas  o  que  é  que acontece? Quando o ouvido, nariz e língua sentem sons, cheiros e sabores, o que é que ocorre? Quando o corpo e a  mente  entram  em  contacto  com sensações tácteis  e estados mentais, que reacção se dá? Ainda encontras em ti,  cobiça,  aversão  e  ilusão?  Ainda nos  perdemos em formas,  sons,  cheiros,  sabores,  texturas  e  disposições? Isto é  o  estudo  interno.  E este  tem  um  ponto  de conclusão.

Se estudarmos mas não praticarmos não obteremos  quaisquer resultados.  É  como  uma  pessoa que  cria vacas.  Pela  manhã  ela leva  a  vaca  a  pastar,  ao entardecer  trá-la  de  volta para o curral  - mas nunca lhe bebe o leite. Estudar é bom, mas não o deixes ser assim. Deves  criar  a  vaca  mas  também beber o seu  leite. Tens de  estudar  e  praticar  para  obteres  os  melhores resultados.

Espera, eu explico mais em detalhe. É como uma pessoa que cria galinhas, mas não recebe os ovos. Tudo o  que  ele  tira  é  o esterco  das  galinhas!  Isto  é  o  que  eu digo  a  quem  cria galinhas  na  Tailândia!  Tem  cuidado para  não  te  tornares  como elas!  Isto  significa  que estudamos  as  escrituras  mas  não sabemos  como abandonar as impurezas, não sabemos como empurrar a cobiça,  aversão  e  a  ilusão  para  fora  da  nossa  mente. Estudar sem  prática,  sem  este  "abandonar",  não  traz quaisquer resultados.  É  por  isso  que  eu  o  comparo  a alguém  que  cria galinhas  mas  que  nunca  lhes  tira  os ovos e só recolhe o esterco.
É a mesma coisa.

Por  isso,  o  Buddha  queria  que  estudássemos  as escrituras,  para depois  podermos  abandonar  as ações malignas  do  corpo, linguagem  e  mente;  e  assim desenvolvemos bondade nas nossas ações, discurso e pensamentos.  O  verdadeiro  valor  da  humanidade irá obter  realização  através  dos  nossos atos,  linguagem  e pensamentos.  Mas  se  só  falarmos  bem,  sem  agir  do mesmo modo, o trabalho ainda não estará completo. Ou se fizermos boas ações, mas a mente ainda não for boa, ainda  há  algo  a  fazer.

O  Buddha ensinou  a  desenvolver bondade no corpo, discurso e pensamentos; a desenvolver  boas ações, bom  discurso  e  bons pensamentos. Este  é  o  tesouro  da  humanidade.  Ambos, o estudo e a prática, têm de ser bons.

O  Óctuplo  Caminho  do  Buddha,  o  Caminho da prática, tem oito factores. Estes oito factores não são nada  mais  do  que  este corpo! Dois olhos, dois ouvidos, duas narinas, uma língua e um corpo. Este é o Caminho. E  a  mente  é  aquela  que  segue  o  Caminho.  Daí dizermos, que o estudo e a prática existem no nosso corpo, discurso e mente.

Já alguma vez vistes escrituras que ensinem acerca de outra coisa que não o corpo, discurso e mente? As escrituras só ensinam acerca disto: nada mais.

Os obstáculos nascem aqui mesmo. Se os conheceres, eles morrem aqui. Assim deves perceber que a prática e o estudo ambos existem neste lugar. Se só estudarmos este tanto poderemos saber tudo. É como o nosso discurso: falar uma palavra Verdadeira é melhor que uma vida inteira de linguagem incorreta. Estás a perceber? Aquele que estuda e não pratica é como uma concha numa panela de sopa. Ela está na panela todos os dias mas não sabe qual o sabor da sopa. Se não praticares, ainda que estudes até ao dia da tua morte, nunca saberás qual o sabor da Liberdade!


Ajahn Chah

Epílogo do livro Uma oferta de Dhamma

A vida cíclica


No presente as nossas vidas são idênticas. Hoje estamos simplesmente a fazer as mesmas velhas coisas que sempre fizemos. As pessoas pensam em demasia.

 Existem tantas coisas para elas se interessarem, mas nenhuma delas leva a realização.  Existem as ciências como a matemática, física, psicologia e por aí fora. Tu podes pesquisar um sem número delas mas só podes finalizar as coisas com a verdade. 

Supõe que tínhamos uma carroça a ser puxada por um boi. As rodas não são longas, mas os rastos são. Enquanto o boi puxar a carroça os rastos seguem. As rodas são redondas, no entanto os rastos são longos; os rastos são longos mas as rodas são somente círculos. Olhando para uma carroça parada não consegues ver nela nada que seja longo, mas quando o boi começa a andar, ves os rastos a alongarem-se atrás de ti.

Enquanto o boi puxar, as rodas continuam a girar…mas virá um dia em que o boi se cansa e deixa os seus arreios. O boi vai-se embora e deixa a carroça vazia ali parada. As rodas já não giram.  No seu devido tempo a carroça degenera, os seus componentes voltam aos quatro elementos – terra, água, ar e fogo. 

Ao procurar a paz no mundo, tu alongas os rastros da carroça infinitamente atrás de ti. Enquanto seguires o mundo não há parada, nem descanso. Mas se deixares de o seguir, a carroça para, as rodas já não giram.

Seguir o mundo faz girar as rodas incessantemente, criando mau Kamma no processo. Enquanto seguires os velhos hábitos não há parada.  Se parares tudo pára. É assim que nós praticamos o Dhamma (caminho).


Ajahn Chah
Uma oferta de Dhamma

Certeza na Incerteza = sofrimento

“Se procuras certezas naquilo que na realidade é incerto,
estás destinado a sofrer.”


Ajahn Chah
Uma oferta de Dhamma

Observando a respiração (Ānāpānasati)

Ānāpānasati é a prática de concentrar a mente na respiração. Quer sejamos já peritos ou quer tenhamos desistido da prática por nos considerarmos um caso perdido, existe sempre um tempinho para observar a respiração. É uma oportunidade para desenvolver samādhi (concentração) colocando toda a nossa atenção exclusivamente na sensação da respiração.

Nesse momento comprometam-se totalmente a esse ponto único durante uma inalação, e depois durante uma exalação. Não tentem fazê-lo durante, digamos, quinze minutos pois nunca seriam bem sucedidos se esse fosse o período de tempo designado para se focarem num só ponto. Portanto usem esta duração de uma inalação e de uma expiração.

O sucesso disto depende mais da vossa paciência do que da vossa vontade, pois a mente vagueia e temos sempre que, pacientemente, voltar à respiração. Quando estamos conscientes de que a mente está a vaguear então reparamos no que se passa: pode se dever ao facto de colocarmos muita energia a princípio e de não a conseguirmos manter depois, fazendo demasiado esforço sem manter o controlo. Estamos assim a usar a duração de uma inalação e a duração de uma exalação de modo a limitar o esforço para apenas este período de tempo, durante o qual mantemos a nossa atenção.

Empenhem-se em colocar um esforço no princípio da inalação e em mantê-lo durante esta. Depois façam o mesmo durante a exalação e de novo na inalação. Eventualmente tudo se torna estável e diz-se que estamos em samādhi quando já não precisamos aplicar esforço. De princípio parece ser um esforço enorme ou parece que não o conseguimos fazer por não termos esse hábito. A maioria das mentes foi treinada para usar o pensamento associativo, para ler livros, para ir de palavra em palavra, para ter pensamentos e conceitos baseados na razão e na lógica. Contudo, ānāpānasati é um tipo diferente de treino onde o objecto no qual nos concentramos é tão simples que não oferece qualquer interesse a nível intelectual. Não se trata de uma questão de se estar interessado, mas de colocar esforço e de usar esta função natural do corpo como um ponto de concentração.

O corpo respira, quer estejamos cientes disso ou não. Não é como prājāyama, onde estamos a desenvolver poder através da respiração. Aqui estamos a desenvolver samādhi’ – concentração – e plena atenção através da observação da respiração, tal como ela é no momento. Como qualquer outra coisa isto é algo que temos de praticar para o podermos fazer; ninguém tem problema algum em perceber a teoria, é a contínua prática dessa teoria que faz com que as pessoas se sintam desencorajadas.

Mas reparem nesse desencorajamento, que surge por não sermos capazes de obter o resultado que desejamos, pois ele é o obstáculo para a prática. Reparem bem nesse mesmo sentimento, reconheçam-no e depois deixem-no ir. Voltem novamente à respiração. Estejam conscientes desse momento em que se sentem fartos ou sentem aversão ou impaciência reconheçam-no, deixem-no ir, e voltem de novo à respiração.

Ajahn Sumedho
Plena Atenção

Meditação com leveza

Relaxem e não façam da meditação uma tarefa pesada para vós próprios.

Vejam-na como uma oportunidade para estar em paz e à vontade com o momento presente.

Descontraiam o corpo e estejam em paz.

Ajahn Sumedho
Plena Atenção

O papel da atenção, da distração e da tranquilidade no equilíbrio de nosso corpo




Durante todo o dia oscilamos entre momentos de atenção e de pura distração. Se houvesse como medir um e outro, concluiríamos que passamos mais distraídos e fazendo coisas no automático do que atentos àquilo que realizamos. Desde as pequenas coisas (escovar os dentes, pentear o cabelo, vestir uma roupa) até as mais complexas (dirigir um carro, desenvolver uma tarefa no trabalho, conduzir uma reunião) oscilamos milhares de vezes entre atenção e distração. 

A importância de fazer algo focado é um lugar comum para aqueles que lidam com a produtividade humana no trabalho. O foco é o ato de direcionar esforços. A atenção e a concentração decorrem do foco, pois são níveis da mente que só serão atingidos com esforços direcionados para um único ponto. No caso do trabalho, focar em uma única tarefa é o passo inicial necessário para se atingir a atenção plena.

Quando eu era estudante, minha mãe por vezes dizia “distraia um pouco” depois de períodos de estudos. Isso realmente é algo positivo. A mente tem uma capacidade limitada de se manter em atenção plena. Então dar um “descanso” para a mente é necessário. O problema é que entendemos que assistir TV, ler um jornal cheio de notícias pesadas, fofocar, etc... estamos dando esse descanso para mente, o que não é real. Estamos apenas distraindo a mente, levando ela de um assunto para outro.

Distrair a mente é quase um pleonasmo hoje em dia, pois a maior parte do tempo é esse estado que a nossa mente já se encontra. O aprendizado está muito mais em aprender como colocar a mente em atenção plena e como mantê-la tranquila no restante do tempo ao invés de distraí-la, pois a distração nada mais é do que a fragmentação do foco, o que acaba levando a mente de um assunto para outro o dia todo. Isso causa desgaste e cansaço cerebral e como já foi obsevado cientificamente, haverá uma grande demanda por energia para sustentar esse processo (glicose). Essa demanda cerebral causa fome. Para saciarmos a fome vamos ingerir muito mais energia do que precisamos. Daí os desequilíbrios em nossa massa corporal e as tentativas de reequilíbrio através de dietas ou exercícios.

Lembre-se então que a atenção plena é algo que só se atinge com um certo foco e esforço e que a distração é como fragmentar essa atenção em diversos assuntos e focos diferentes. O caminho do meio, onde realmente descansamos a mente, é mantê-la em estado de tranquilidade e calma.

Meditar, escutar uma música, caminhar, parar no trabalho por alguns minutos, tentar não ficar remoendo o passado ou se preocupando com o futuro mantendo a atenção ao momento presente, podem ser formas de atingir essa tranquilidade. Quando aprendemos a manter a mente mais tempo nesse estado de calma e tranquilidade, experimentamos menor stress e temos maior capacidade de enxergar os eventos a nossa volta,  tomar as decisões necessárias sem envolver emoções bem como experimentamos mudanças em nosso corpo nos mecanismos de ansiedade e saciedade, que influenciam por sua vez, entre outras coisas, o equilíbrio de nossa massa corporal.

Treine então como oscilar entre atenção e tranquilidade, ao invés de atenção e distração. Ainda que seja humanamente improvável suprimir a distração, é possível diminuir sua participação enquanto vivemos mais momentos de tranquilidade.

PR

Intelecto e Ação: a importância do equilíbrio entre leitura e prática

Uma grande preocupação dos estudantes do caminho, é saber em qual ponto está e como seria o ponto a ser alcançado. Há um excesso de preocupação intelectual (leitura, estudo) e pouca ação (experiência, meditação).

O monge brasileiro Bhante Mudito que vive atualmente num monastério na Nova Zelândia, deu algumas respostas em uma palestra feita pela internet aos estudantes da Sociedade Brasileira Budista.

Às vezes o ideal da iluminação parece tão distante, às vezes inatingível até. Você conhece alguém que encontrou algum grau de iluminação?


É duro dizer porque não tenho como olhar no coração das pessoas. Mas eu tenho fé que diversos mestres alcançaram a iluminação. Acho que é algo real, que existe e que está presente.


Com relação ao ideal da iluminação ser algo distante, não esquenta a cabeça. Isso é uma percepção sua. Você não sabe o que é a iluminação então você não sabe até que ponto está distante ou não (risos). Então não esquente a cabeça. Foque no que se pode fazer. Foque e faça. Não fique apenas "ok, já estou focado mas não faz nada".  Comece pelo começo, passe pelo meio, chegue até o fim. Comece pelo começo, passe pelo meio, chegue até o fim. Só isso.

Qual seria a recomendação de estudo então se não é bom ler muito então o que ler?

Vai equilibrando ambos, não deixe um sair muito na frente do outro. Imagine que são dois cavalos puxando uma carroça. Quando um empaca o outro tem que ajudar um pouco. Mas a situação ideal é eles ir andando junto.

Faça o seguinte exercício. Simplesmente lembre-se sempre que você ler entender algo, lembre-se que "Isso eu Entendi mas isso eu ainda não Sei".

Traga de volta essa ideia na sua cabeça. Isso acaba te confundindo. Excesso de conhecimento confude-se com excesso de sabedoria. As pessoas se confundem e isso gera problemas de vaidade, de arrogância e empaca as pessoas. As pessoas perdem o sentimento de urgência em saber de verdade. Este é outro problema do estudo. O estudo muito grande gera uma sensação de bem-estar, "eu estou por dentro", "estou  dentro desta estória", e perde-se um pouco o senso de urgência de saber de verdade. Outro defeito do estudo é esse.


Então tem que saber equilibrar. Mantenha a ideia viva. Tudo isso é possível saber. Tudo isso que estou lendo aqui é possível saber de verdade. O que é que eu faço para saber isso de verdade? Por onde eu começo? E bota a mão na massa e começa por ali. Mantenha essa ideia viva só isso. Na minha opinião se você fizer direito isso, isso em si vai cuidar de ajustar o quanto de leitura você vai fazer e o que você vai ler.


O importante é equilibrar as intenções também. Essas coisas se adaptam sozinhas. Se você nutrir sua mente, sua mente é um organismo que precisa ser nutrida de certas coisas. Lembre-se de nutrir sua mente com essa ideia de que tudo isso é possível de ser realizado. Essa é uma fé importante. Tudo isso pode ser visto e entendido por si mesmo. Nós precisamos ter essa fé. Tem que botar a mão na massa, tem que deixar um pouco a preguiça de lado, um pouco esse sentimento de baixa-estima ("eu não vou conseguir, isso é muito difícil"). Não importa o quanto difícil é. Se é algo que é realmente importante a gente faz, a gente dá um jeito.

Ajaan Cha dizia para pessoas que ficavam falando "eu não tenho tempo de meditar, eu tenho que trabalhar":
__ "Você tem tempo de respirar? Se você tem tempo de respirar você tempo de meditar."

Essa resposta na verdade tem dois aspectos. Um primeiro aspecto mais óbvio para as pessoas é que o fato de se você tem qualquer momento é possível de meditar, mesmo trabalhando é possível meditar, ter atenção e ter sabedoria.

Mas também tem um aspecto que é o seguinte, se algo é muito importante pra você, você dá um jeito, você dá um jeito de encaixar isso na sua vida diária. Então tem que ter esse sentimento de importância de urgência, urgência em aprender e enxergar isso pois é um caminho longo e é um caminho difícil. Só ir empurrando com a barriga eu duvido que vai chegar muito longe. Então tem que ter esse sentimento de urgência de importância.


Palestra com Bhante Mudito
http://www.sociedadebudistadobrasil.org/sala-de-estudos/palestras-do-dhamma-em-audio/palestras-online/

Meditação: o encontro com Deus, com o Amor e a Paz


Como podemos encontrar Deus? Não se pode conhecê-lo pelos sentidos nem medi-Lo pela limitada régua  intelectual. Sempre que tentarmos descobrir a bem-aventurança, o amor, a sabedoria e alegria divinas em experiências sensoriais, ficaremos desapontados.

Mas quando o homem aprende pela meditação profunda, a acalmar o corpo e desligar os cinco sentido, um sexto sentido, a intuição começa a se expressar. Deus pode ser conhecido somente pelo sentido da intuição.

(...) A única maneira pela qual nos será possível romper os grilhões, as cordas ocultas que nos prendem a esta forma carnal, é a meditação. E a primeira prova da existência de Deus, dentro de nós é a grande sensação de tranquilidade interior que gradualmente começamos a sentir.

À medida que vamos meditando cada vez mais profundamente, a consciência começa a expandir-se. Aí desperta o desejo de esquecer esta pequena forma carnal e ver o Eu em todos os seres. Queremos servir aos outros; nasce o desejo de servir à humanidade desinteressadamente.

Ao meditarmos com regularidade por toda a vida, começaremos a perceber o grande oceano de amor que reside dentro de nós.


Sri Daya Mata
Só O Amor

Por que devemos buscar a Deus?



Quando o homem deposita seus sonhos, ideais, esperanças e ambições em objetivos mundanos, a paz que ele sente em suas realizações é apena temporária.

Este é um mundo de dualidade: a vida é feita de prazer e dor, saúde e doença, calor e frio, amor e ódio, vida e morte.

O objetivo do homem é transportar sua consciência para além dessa lei de dualidade, desse véu de maya* e encontrar o Um que está presente em toda a criação e para além dela.


Sri Daya Mata
Só O Amor

* Ilusão cósmica, literalmente, "o medidor". Maya, poder mágico na criação, faz com que aparentemente se apresentem limitações e divisões no Imensurável e Indivisível" Paramahansa Yogananda, na Autobriografia de um Iogue.

Purificação da Mente: Meditação

(...) O trabalho de purificação deve se edificar no mesmo lugar onde as impurezas surgem, ou seja, na própria mente, e o principal método para a purificação da mente oferecido pelo Dhamma é a meditação.

Meditação, no treinamento budista, não é, nem uma jornada para êxtases auto-efusivos, nem um técnica caseira de psicoterapia, mas um cuidado e elaborado método de desenvolvimento mental - preciso teoricamente e eficiente na prática - para a alcançar a pureza interna e a liberdade espiritual.

Os principais instrumento da meditação budista são os substanciais fatores mentais saudáveis da energia, vigilância, concentração e entendimento. Mas, numa prática sistemática de meditação, esses fatores são fortalecidos e conjugados num programa de autopurificação que objetiva a extirpação das raízes das impurezas e suas ramificações e, deste modo, nem mesmo as mais sutis agitações permanecem.

Venerável Bhikkhu Bodhi 
Pensando o Budismo

Purificação da Mente



Uma máxima antiga encontrada no Dhammapada resume a prática do ensinamento do Buda em três simples princípios de treinamento: abster-se de todo o mal, cultivar o bem e purificar a própria mente.

Esses três princípios formam uma sequência gradual de estágios, progredindo do externo e preparatório para o interno e essencial. Cada estágio leva naturalmente em direção ao outro que o segue, e a culminação dos três na purificação da mente torna claro que o coração da prática budista é encontrado aqui.

Purificação da mente como entendido no ensinamento do Buda é o esforço contínuo em limpar a mente das impurezas, aquelas forças mentais obscuras e não saudáveis que correr por baixo do fluxo superficial da consciência, viciando nossos pensamentos, valores, atitudes e ações.

Dentre as impurezas, destacam-se três, as quais o buda descreve como raízes do mal: cobiça, ódio e ilusão - a partir das quais emergem numerosas derivadas e variantes, como a raiva e crueldade, avareza e inveja, comparação com os outros e arrogância, hipocrisia e vaidade, e uma multiplicidade de visões errôneas.

(...) o critério para iluminação genuína repousa precisamente na pureza da mente. O propósito de todo insight e de todo entendimento iluminado é a libertação da mente das impurezas e o próprio Nibbana, o objetivo do ensinamento, é definido, muito claramente, como a libertação em relação à cobiça, ao ódio e à ilusão.


Venerável Bhikkhu Bodhi
Pensando o Budismo

Desejo: realização e frustração


Saio na rua e vejo um carro brilhante, um homem ou uma mulher bonitos, um tênis, um sapato, uma roupa atraente, um casal com um filho, um restaurante com um apetitoso cardápio, uma loja do shopping exibindo novos relógios, outra com computadores e laptops de última geração. Uau, quantos estímulos não?

Isso até parece um dia daqueles dedicados às compras ou ao consumo, mas é a narrativa da maioria dos dias que passamos em nossas vidas terrenas. Um sem número de estímulos visuais ocorrendo, que por sua vez cutucam nossa mente e invariavelmente darão origem aos que conhecemos como desejos.

E como lidamos com esse caminhão de estímulos e desejos? Vamos tentar realizá-los não é? E como ter o carro brilhante, a esposa linda, o marido bonito, o tênis novo, o sapato transado, a roupa da moda, o filho de olhos azuis, o almoço no restaurante do cardápio apetitoso, os relógios e computadores?

O desejo levará à busca pelo objeto desejado e só será satisfeito quando ocorrer sua realização através da posse daquilo que se desejou. Em caso negativo, o desejo não é satisfeito e surge o que damos o nome de frustração. Essa ocorre quando a ação de conquistar o objeto de desejo frustrou-se. E quantas frustrações temos ao longo de uma vida? Inúmeras! Sim, certamente, pois inúmeros são os desejos que criamos diariamente ao não sabermos lidar com a imensidão de estímulos externos.

A raiz de todo sofrimento está no desejo, dizia o Buda há 2600 anos atrás. Logicamente que nenhum ser humano vai deixar de desejar algo enquanto viver uma vida convencional. Mas seria realmente necessário criar diariamente tantos desejos (e frustrações)?

Buscar o necessário talvez seja uma chave para essa corrente que nos aprisiona num ciclo infinito de desejos e tentativas de realização, o que em muitos dos casos acaba em frustração. A busca do necessário é se concentrar naquilo que realmente precisamos para viver, aquilo que nos é primordial e realmente produz algum valor interno para nossa experiência de vida, independente dos estímulos externos que recebamos.

Essa é apenas uma das chaves que precisamos encontrar rumo a verdadeira liberdade. Mas é um primeiro e importante passo a ser dado.


PR

Agarrar e Soltar



Vivemos um vida aprendendo como agarrar coisas.

Ainda quando pequenos umas das primeiras coisas que aprendemos é  agarrrar ou segurar nossos pequenos brinquedos. Depois vamos aprendendo tantas outras coisas relacionadas: meus livros, meus sapatos, meus amigos, minhas roupas, meus relacionamentos... Da mesma forma que aprendemos a agarrar ou segurar as coisas, elas também parecem nos agarrar à medida que tiram cada vez mais nossa liberdade e nossa capacidade de compreendermos o quão preso somos.

O mesmo aprendizado que temos durante a infância se repete por toda a vida: como agarrar ou segurar coisas. Para agarrá-las precisamos antes conquistá-las. Quando conquistamos precisamos mantê-las pois senão elas se vão, quebram, acabam, perdem seu encanto. Mas não conseguimos manter muitas coisas pois dentro de nós parece haver algo maior, um movimento exatamente na direção contrária: o de soltar ou largar.

Largamos os brinquedos dias ou talvez horas depois os termos ganho. Largamos roupas usadas. Largamos livros sem ler. Largamos amigos e relacionamentos. Largamos coisas que antes de as termos nos causavam tanto desejo e agora parecem não ter nenhuma utilidade. O ato de soltar ou largar acontece talvez na mesma proporção que o agarrar. Mas é naquilo que o agarrar ocorre, que nos prendemos. Soltar algo por desleixo, esquecimento ou por perder o encantamento é algo normal. Soltar algo que parece nos trazer prazeres, sensações boas, realizações é outra estória.

O apego surge nessa tentativa de tentar agarrar coisas que não são permanentes, como a felicidade, as pessoas, os empregos e todas as coisas que compõem nossa vida. Por não serem permanentes não conseguimos agarrá-las por muito tempo e quando elas se vão, nos trazem infelicidade. Entender e aceitar essa impermanência são uma de nossas grandes dificuldades, por isso tentamos num ciclo infinito nos agarrar aquilo que julgamos positivo para nós mesmos e largar aquilo que julgamos negativo para nossa vida.

O grande problema é que as coisas que nos agarramos como sendo positivas, uma hora se tornam negativas e não nos apercebemos pois estamos “agarrados” à sensações passadas. Relacionamentos entre pessoas nos dão um bom exemplo disso. Muitas vezes o relacionamento já desgastado não nos traz qualquer fator positivo, mas insistimos nele, pois estamos presos às sensações que um dia eles nos causaram. Vivemos lembranças do “passado”, sofrendo no “presente”. Agarramo-nos ao que um dia aconteceu, que não está acontecendo mais e que talvez nunca mais volte a acontecer no futuro.

Sendo assim precisamos estar preparados para soltar e largar sempre tudo aquilo que deve ser soltado e largado, compreendendo que não devemos nos agarrar a nada e sim estar atento e vivendo as experiências presentes, em cada simples e único momento.

Toda tentativa de agarrar algo se mostrará infrutífera e dolorosa, ainda que a sensação de agarrar algo por um tempo, nos traga sensações boas.

PR
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