Formações Mentais: o pensamento sem o "eu"


Há uma formação mental chamada vitarka, "pensamento inicial". Quando usarmos o verbo "pensar", precisamos de um sujeito do verbo: eu penso, você pensa, ele pensa. Mas, realmente, você não precisa de um sujeito para um pensamento a ser produzido. Pensando sem um pensador - isto é absolutamente possível. Pensar é pensar em algo. Perceber é perceber algo. O que percebe e o objeto que é percebido são um.

Quando Descartes disse, "penso, logo existo" o ponto dele era que se eu pensar, deve haver um "eu" para o pensar ser possível. Quando ele fez a declaração "penso" ele acreditou que pudesse demonstrar que o "eu" existia. Nós temos o hábito forte de acreditar em um ego, um eu. Mas, observando muito profundamente, podemos ver que um pensamento não precisa de um pensador para ser possível. Não há nenhum pensador atrás do pensamento - há apenas o pensamento; isso é suficiente.

Agora, se o senhor Descartes estivesse aqui, nós poderíamos lhe perguntar, ”Monsieur Descartes, você diz, ‘você pensa, então você existe’, mas o que é você? Você é seu pensamento. Pensamento - isso é bastante. O pensamento se manifesta sem a necessidade de um eu por trás”.

Pensando sem um pensador. Sentindo sem aquele que sente. O que é nossa raiva sem nosso "eu"? Este é o objeto de nossa meditação. Todas as cinqüenta e uma formações mentais acontecem e manifestam sem um eu atrás delas organizando para que uma apareça, e depois para que outra apareça. Nossa consciência mental tem o hábito de se basear na idéia de um eu, em manas. Mas podemos meditar para estar mais atentos a nossa consciência armazenadora onde mantemos as sementes de todas as formações mentais que não estão se manifestando no momento em nossa mente.

Quando meditamos, praticamos olhar profundamente procurando trazer luz e claridade ao nosso modo de ver as coisas. Quando a visão do não-eu é obtida, nossa ilusão é afastada. Isto é o que nós chamamos transformação. Na tradição budista, transformação é possível com a compreensão profunda. O momento em que a visão do não-eu existe, manas, a noção de "eu sou" se desintegra, e nós nos achamos desfrutando, neste exato momento, de liberdade e felicidade.

Thich Nhat Hanh
Buddha Mind, Buddha Body
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