Uma pessoa pergunta: “A propósito dos votos de austeridade e de obediência, podemos pedir a todos que leiam a instrução para contenção da água nos banheiros e nas torneiras, e que isso aconteça?”.
Bem, tudo aquilo que nós desperdiçamos aqui dentro entra no carma da Figueira. Entra não só no nosso carma pessoal, mas entra também no carma da Figueira. Então, se você precisa de tantos gramas de água para lavar as mãos, e você gasta três, quatro litros, isso entra também no carma da Figueira. Porque nós fazemos isso dentro da Figueira e a Figueira não teve ainda possibilidade de sugerir que não faça isso. Então, entra também no carma da Figueira. Então, nós estamos aqui; podemos estar trabalhando positivamente o carma da Figueira como podemos estar contribuindo para o carma da Figueira ficar um pouco mais negativo. Porque estamos desperdiçando coisas aqui dentro.
Aqui, por exemplo, cada um de nós que deixa grãos de arroz no prato que vai para o lixo, que vai para o composto, nós estamos não colaborando com o carma da Figueira. Porque nós não deveríamos jogar fora nem um grão; de nada. Porque há muita gente com fome. Então, cada grão que você joga fora, você está confirmando a necessidade de haver fome. E outros vão ficar com fome porque a humanidade é una.
Cada coisa que você joga no lixo vai produzir mais fome em alguém, porque aquilo não devia ter ido para o lixo. Então, tudo aquilo que se desperdiça, tudo aquilo que se despreza, tudo aquilo que é usado sem ordem, tudo isso corresponde a uma exploração do reino vegetal e do reino mineral. Porque você, para produzir o que tem que ser produzido para alimentar a humanidade, você está usando o reino vegetal, está usando o reino mineral. Então, você está extraindo desses reinos a vida deles. Isso não é para ir pro lixo. Isso não é pra jogar fora. Então, isso cria um carma para nós. Cria o carma da fome, que nós vamos conhecer nesta vida ou numa outra. Ou alguém vai viver de fome. Porque estão desperdiçando coisas.
Eu não sei se vocês sabem que parece que quase 70% do que se produz vai para o lixo. Vocês sabem o que quer dizer isto? Vocês sabem o que um avião joga no lixo quando chega no aeroporto? Avião joga no lixo bandejas inteiras de comida. Isso tudo entra no nosso carma. E é por isso (também) que há fome. Não é só por isso, mas é também por isso.
“E se nós observarmos estas coisas, podemos crescer em nossos votos”, diz a pessoa. Sim, se você fez o voto, se você fez um voto de austeridade, você não pode jogar nem um grão de arroz fora. Você tem que saber o que você colocou em seu prato pra comer. E aquilo deve ser exato. Exato quer dizer: não se saciar totalmente, isto que quer dizer “exato”. “Exato” não quer dizer o seu corpo dizer “basta”, não. Você põe no seu prato aquilo que o seu corpo necessita, mas ele ainda não disse “basta”. Você lhe dá um pouquinho menos, isso é educativo pra ele. Então, se você precisa de 400 gramas de alimento, dê 399. Se ele precisa de 400, você não vai dar 200 nem 100 gramas, você vai dar 399. No dia seguinte você dá 398. Depois você dá 397. Mas ingerindo aquele alimento com gratidão. Porque aí aquele alimento vai suprir o corpo, levado pela gratidão pelo alimento.
Veja que nós precisamos aprender a comer, não é? Precisamos aprender a comer e os nossos refeitórios deveriam ser escolas. Os nossos refeitórios deveriam ser momentos em que você está treinando como se alimentar.
Isso tudo nós temos que aprender. Já devíamos ter aprendido, mas a gente se ocupa em aprender tantas coisas inúteis que não sobra tempo material pra você aprender aquilo que é útil, aquilo que realmente faz parte da sua vida. Não da vida monástica, isso no monastério deve estar pronto. Mas, fora do monastério, isso faz parte da nossa ética de vida. Tudo isso. Porque se você sabe que a Terra está sendo explorada ao ponto de ter que produzir artificialmente, de ter que se por adubos na terra de forma que ela produza artificialmente, de tanto que a esgotaram. E qual foi a nossa contribuição pra isso? Tudo o que nós jogamos fora, ou tudo o que nós não sabemos usar. Porque quando você é grato pelo que usa, você acaba usando corretamente. Mas é a gratidão que vai levando você a usar corretamente.
Nós não só não temos consciência dessas coisas como não nos preocupamos com essas coisas. Então estamos contribuindo para o carma da miséria.
Cada um que joga comida fora ou que come alguns gramas a mais do que o corpo precisa está colaborando diretamente para o carma da miséria e da fome. E claro que essas coisas vão se concentrando e o carma vai dividindo isso segundo os débitos que foram cometidos.
Então como pode, num planeta como este, haver continentes inteiros onde se passa fome? Como pode isso? Porque a Terra produz e 70% do que ela produz jogam fora.
Conversas especiais – 48
Trigueirinho
Palestra proferida em 10/Jul/2011
http://www.irdin.org.br/palestra/por/audicao.php?cod=12206