A Prática da Diligência - Parte 2 - Três formas de encarar o sofrimento


(...) Após uma análise mais aprofundada, a pessoa percebe que a causa real (ou força) que induz a essa diligência é o sofrimento. O relacionamento das pessoas com o sofrimento, desta forma, afeta a sua reação a ele, resultando em negligência ou cuidado. E mesmo as reações de cuidado variam em qualidade. Uma análise dessa dinâmica irá mostrar o valor da diligência (appamāda).

Há três maneiras de responder ao sofrimento:

1. Comportamento baseado no Sofrimento: algumas pessoas se entregam ao conforto e ao prazer, negligenciam suas responsabilidades, não consideram perigos potenciais, mas, ao invés, preferem esperar até que o perigo as confronte. Diante dos problemas e da necessidade, apressam-se para remediar a situação, às vezes com sucesso, outras vezes não.

2. Comportamento baseado no Medo do Sofrimento: algumas pessoas temem o sofrimento e a dificuldade e, assim, se esforçam para impedi-los. Embora as suas tentativas de garantir mais segurança sejam geralmente bem sucedidas, suas mentes são sobrecarregadas pela ansiedade. Além de temer o sofrimento, elas sofrem pelo medo e agem guiadas por essa fonte secundária de angústia.

3. Comportamento baseado no Conhecimento do Sofrimento: algumas pessoas refletem com sabedoria sobre como lidar com o sofrimento potencial. Elas não são intimidadas pelo medo, uma vez que compreendem a natureza das Três Características, pois reconhecem o perigo potencial. Elas investigam a dinâmica da mudança, baseando-se na consciência da impermanência e na liberdade e flexibilidade oferecidas pela característica de não-eu, para escolher o melhor caminho a seguir. Além disso, utilizam as experiências do passado como uma lição para evitar o sofrimento e para se orientar no sentido do maior bem possível. Vão sendo aliviados do tanto de sofrimento que estiver em suas capacidades, até o ponto de tornarem-se livres de todo sofrimento e ansiedade.

O primeiro tipo de comportamento é negligente; os tipos dois e três são condutas diligentes, mas o tipo dois é uma precaução alimentada por impureza e, portanto, ligada ao sofrimento. O tipo três, por outro lado, surge da sabedoria e, por isso, é livre de embaraços: nenhum sofrimento mental surge. Essa é a completa e adequada diligência que só um arahant pratica perfeitamente. A qualidade da vigilância das pessoas não despertas depende de sua capacidade de aplicar a sabedoria (em conformidade com o tipo três) e da redução do estresse causado pelo medo e pela ansiedade (do tipo dois).

Como descrito acima, as pessoas comuns não são as únicas suscetíveis à negligência; pessoas nos estágios iniciais do despertar podem ser descuidadas também.

A razão para essa falta de cuidado é o contentamento, a saciedade ou a complacência com respeito às qualidades excepcionais que atingiram. Elas deleitam-se na felicidade e no bem estar e abandonam o seu trabalho espiritual. Outra razão é porque perceberam as Três Características: elas têm uma compreensão profunda da mudança, se resignam com a condicionalidade e não estão preocupadas com a decadência e a separação. Devido a estas tranquilidade e resignação elas param; não mostram mais interesse e não fazem qualquer esforço para lidar com questões não resolvidas. Negligenciam as tarefas necessárias para a prevenção ou aprimoramento, permitindo que os problemas simplesmente se mantenham ou mesmo agravem-se.

Nesse caso, a realização do bem espiritual, ou da (inicial) libertação, é o motivo para o descuido. Esses indivíduos agem incorretamente, a sua prática é unilateral e incompleta, carecendo do esforço necessário para atingir o valor integral da diligência. Para corrigir essa situação, eles devem estar cientes de ambos os benefícios, o espiritual e o prático, e levá-los até a conclusão.



Ven. Ajahn Payutto


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