Rigpa: o estado de presença desperto



Rigpa é um estado de presença claro e desperto que transcende a mente pensante comum. Ele é como o sol que aparece quando as nuvens dos pensamentos se afastam. Rigpa é não-composto, não tem começo nem fim. Em sua essência ele é primordialmente puro [kadag] e sem elaborações, o que chamamos ainda vacuidade. Mas em sua natureza, ele é luminosidade espontaneamente presente [lhundrup]. Esses dois aspectos são indissociáveis.

Do ponto de vista de rigpa, a mente conceitual sem, as paixões, etc., não são senão um jogo oriundo de sua criatividade luminosa. Há, pois uma imensa diferença entre mente comum, sem e rigpa.

Sem é um epifenômeno de rigpa, uma simples função da claridade e de seu movimento. Rigpa é um estado claro e sem distrações onde nenhum apego é possível. Nesse estado, tudo que surge não é mais que uma exibição sem finalidade e dissolve-se sem deixar traço, como uma vaga no oceano ou um desenho sobre a água.

Comparamos tradicionalmente rigpa a um espelho. O espelho tem duas características: ele é vazio em si-mesmo, e simultaneamente ele tem potencialidade de refletir claramente todas as espécies de aparências, belas ou feias. Essas aparências, visíveis no espelho, são incapazes de o sujar, pois ele permanece vazio por essência. Estar sob a influência da mente comum e do apego, é estar fascinado pelos reflexos e se lançar em perseguição, seduzido por uns, irritado ou desgostoso com outros. Estar no estado de rigpa consiste em contemplar a exibição dos reflexos permanecendo na condição natural do espelho, sem estar distraído. Os reflexos não têm nenhum poder sobre o espelho, e este permanece imutável e sem manchas. Assim, do ponto de vista do espelho os reflexos não criam nenhum problema. Se quando vemos as projeções, esquecemos no mesmo instante a condição natural, a ilusão se instala.

Nos textos antigos do dzogchen, em particular do semde, rigpa é também chamado tchang tchoup sem, quer dizer bodhichitta ou "mente de iluminação". Mas esse termo tem uma significação especial no dzogchen. Tchang significa "totalmente puro", sendo sinônimo de kadak. A pureza primordial de rigpa. Tchoup significa "realizado", "perfeito", e evocando aqui a natureza espontaneamente realizada de rigpa [lhundrup]. Sem é, pois aqui a natureza da mente primordialmente pura e espontaneamente presente, e não mais a mente no sentido comum.


Longchenpa
Do livro "La liberté naturelle de l’esprit"
Apresentado e traduzido do tibetano por Philippe Cornu
Tradução para o português Karma Tenpa Dharguy
http://www.nossacasa.net/shunya/default.asp?menu=1166


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